quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

A Cor da Flor - Capitulo 1: Na Vó


(...)
O elevador é assustador, ele treme e ruge demasiadamente, os pés ficam dormentes, algumas agulhadas nos vasos sanguíneos, as costas e ombros ficam tensos, o corpo toma o tamanho de um bebê, uma leve tontura, alguns ecos nos tímpanos, os olhos piscam inquietantes como as luzes do teto, algo parece flutuar por um único instante, depois parece despencar nove andares num milésimo de segundo, não despenca, pára, brusco, rosto pálido, abre e nasce outra vez.
"Meu bebê, como você está?.. Entra!.. Pega o cinzeiro... Quero no copo americano... Já pôs açúcar?.. Tá trabalhando?.. Tua mãe era linda... Olhe esta foto... Seu pai? E os estudos? Desistiu de tudo?.. Que bom que você gostou, faço esta farofa há séculos e mesmo assim fico com medo quando é pra você... Cuidado com o sofá que ganhei da sua tia...Tá namorando?.. Tem se cuidado?.. Passa outro cafezinho meu bem?!"
Os primos e as primas estavam todos formados, ganhando aos tubos, viajando por aqui e acolá, sendo objetos de orgulho para os pais, todos cheiravam bem, eram lindos, nos porta retratos todos brilhavam à minha frente, eram como coelhinhos da páscoa que só botavam ovos de 1 quilo ou mais, suas árvores de Natal eram carregadas de enfeites por todos os ângulos, não como aquelas que só se pode olhar em cento e oitenta graus, seus presentes eram caros, suas vidas eram planejadas, assim como os móveis de seus imóveis de luxo, casavam, descasavam, processavam, adotavam, davam entrevistas, enfim, eles eram tudo o que este bebê de trinta e dois não era e não será, para não ser cuspido de uma forma tão pedante.
“... Você está me ouvindo? É claro que não, tá sempre neste mundo fechado, de mal com tudo e todos, todos eles te amam, querem saber de você, e o que eu falo? Hein? Diz-me o que dizer de você? Jovem, capaz como os outros, mas prefere uma vidinha medíocre, prefere sofrer, carregar, isso não é coisa pra você, não foi pra isso que eu te criei...”
Queria explodir. Queria que todo aquele apartamento mobiliado de presentes ficasse manchado do sangue fétido de pobreza.
“Licença, preciso ir ao banheiro.”
Vomitei, chorei, vomitei de novo, tentei não fazer barulho, lavei o rosto, a boca, as mãos, a boca... Fiquei a olhar pro espelho um tempo, um bom tempo.

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